Testemunha sem rosto ou testemunha protegida ou testemunha com sigilo da sua qualificação.
-
Não há falar em nulidade da prova ou do processo-crime devido ao sigilo das informações sobre a qualificação de uma das testemunhas arroladas na denúncia, notadamente quando a ação penal omite o nome de uma testemunha presencial dos crimes que, temendo represálias, foi protegida pelo sigilo, tendo sua qualificação anotada fora dos autos, com acesso exclusivo ao magistrado, à acusação e à defesa.
Testemunha sem rosto, lei 9807/99 (Da proteção especial a vítimas e testemunhas), art. 7, IV
-
Art. 7 Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: (…) IV – preservação da identidade, imagem e dados pessoais;
TESTEMUNHA SEM ROSTO (Lei 9.807/99, art. 7º, n. IV, c/c o Provimento CGJ/SP nº 32/2000). PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE, IMAGEM E DADOS PESSOAIS REFERENTES À TESTEMUNHA PROTEGIDA. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE PLENO E INTEGRAL ACESSO DO ADVOGADO DO RÉU À PASTA QUE CONTÉM OS DADOS RESERVADOS E PERTINENTES A MENCIONADA TESTEMUNHA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO DIREITO DO RÉU À AUTODEFESA, EMBORA ASSEGURADO O RESPEITO À SUA DEFESA TÉCNICA. CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA. PRETENDIDA TRANSGRESSÃO À PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA. POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR (MINISTRO CELSO DE MELLO) FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DE AMBAS AS TURMAS DO STF Q SE FIRMOU, NO ENTANTO, EM SENTIDO CONTRÁRIO A TAL ENTENDIMENTO. PRECEDENTES. OBSERVÂNCIA, PELO RELATOR, DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. HC INDEFERIDO. DECISÃO: (…) Trata-se de HC impetrado contra decisão que, emanada do E. STJ, restou assim ementada: AGRAVO REGIMENTAL. REsp. PROCESSO PENAL. DIREITO DE DEFESA NÃO VIOLADO. ART. 187, § 2º, DO CPP. TESTEMUNHAS PROTEGIDAS. AUSÊNCIA DE QUALIFICAÇÃO, NA DENÚNCIA, DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTENTE. PAS DE NULITTÉ SANS GRIEF. DISCUSSÃO ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS E PROVAS DISPOSTOS NOS AUTOS MITIGA, NA VIA ESPECIAL, A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Não existe nulidade por cerceamento ao direito de defesa decorrente do fato de algumas das testemunhas arroladas na denúncia serem beneficiadas com o sigilo de sua qualificação, porque temiam represálias. Inclusive porque a defesa teve acesso aos dados das testemunhas antes da decisão de pronúncia, não havendo, in casu, impedimento ao causídico para inquirir as testemunhas protegidas, na oitiva delas. 2. A defesa constituída pelos agravantes, diante da suposta ilegalidade contida na denúncia e durante a oitiva de testemunhas, poderia impugnar prontamente tais atos processuais, contudo nada fez, como bem assinalado pelo voto condutor do acórdão a quo, sendo objeto de irresignação em momento posterior, ou seja, exclusivamente quando da impetração de HC no Tribunal de origem. 3. Os princípios do contraditório e da ampla defesa foram adequadamente observados durante o trâmite processual; logo, para possível declaração de nulidade, indispensável a demonstração do prejuízo sofrido pela parte pas de nulitté sans grief , consoante o estabelecido no art. 563 do CPP. 4. Na via especial, a discussão acerca da classificação jurídica dos fatos e provas dispostos nos autos mitiga a incidência da Súmula 7/STJ. 5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido. (REsp 1.224.380-AgR/SP, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR grifei) Busca-se, na presente impetração, (…) o sobrestamento da ação penal originária (…) até que o STF aprecie a validade jurídica do Provimento CGJ/SP nº 32/2000. O MPF, em pronunciamento da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA, opinou pelo não conhecimento da ordem de HC. Sendo esse o contexto, passo a examinar a postulação em causa. E, ao fazê-lo, assinalo, desde logo, que também partilho do entendimento de que o direito de defesa há de ser compreendido em sua dimensão global, por abranger não apenas a prerrogativa da defesa técnica, mas, igualmente, aquela concernente à autodefesa (HC 86.634/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO HC 111.567-AgR/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Assinalo que essa orientação fundada na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, O Processo Penal na Atualidade, in Processo Penal e Constituição Federal, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, Processo Penal, vol. 3/136, 10ª ed., 1987, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, Processo Penal O Direito de Defesa, p. 240, 1986, Forense; JAQUES DE CAMARGO PENTEADO, Acusação, Defesa e Julgamento, p. 261/262, item n. 17, e p. 276, item n. 18.3, 2001, Millennium; ADA PELLEGRINI GRINOVER, Novas Tendências do Direito Processual, p. 10, item n. 7, 1990, Forense Universitária; ANTONIO SCARANCE FERNANDES, Processo Penal Constitucional, p. 280/281, item n. 26.10, 3ª ed., 2003, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 189, item n. 7.2, 2ª ed., 2004, RT; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à Prova no Processo Penal, p. 154/155, item n. 9, 1997, RT; VICENTE GRECO FILHO, Tutela Constitucional das Liberdades, p. 110, item n. 5, 1989, Saraiva; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, vol. 1/431-432, item n. 3, 1974, Coimbra Editora, v.g.), cujas lições acentuam o significado abrangente que se encerra na cláusula constitucional assecuratória da plenitude de defesa. Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ (Garantias Processuais nos Recursos Criminais, p. 126/127, item n. 5.1, 2ª ed., 2013, Atlas): A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (…). Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (…). Na verdade, desdobra-se a autodefesa em direito de audiência e em direito de presença, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (…), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum. (grifei) Não constitui demasia assinalar, bem por isso, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito à autodefesa além de traduzir expressão concreta do próprio direito de defesa (RTJ 46/653) também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal. Assentadas tais premissas, tenderia a acolher a postulação ora em exame. Ocorre, no entanto, que não posso desconhecer que ambas as Turmas do STF firmaram orientação contrária à tese sustentada nesta impetração, por entenderem que o Provimento CGJ/SP nº 32/2000, editado para regulamentar, no plano judiciário local, a Lei 9.807/99 (art. 7º, n. IV), não ofende a cláusula constitucional da plenitude de defesa e do contraditório (HC 90.321/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE HC 104.139/SP, Rel. Min. LUIZ FUX RHC 89.137/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO, v.g.), em razão de tal Provimento garantir ao Advogado do réu pleno e integral acesso aos dados pessoais e reservados da testemunha sob proteção (Art. 5º), elementos informativos esses que constam de pasta própria (Art. 3º): HC. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO. SIGILO NA QUALIFICAÇÃO DE TESTEMUNHA. PROGRAMA DE PROTEÇÃO À TESTEMUNHA. PROVIMENTO N. 32/2000 DA CORREGEDORIA DO TJSP. ACESSO RESTRITO À INFORMAÇÃO. NULIDADE INEXISTENTE. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATO EM HC. ORDEM DENEGADA. 1. Não se comprova, nos autos, a presença de constrangimento ilegal a ferir direito dos Pacientes, nem ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da presente ordem de habeas corpus. 2. Não há falar em nulidade da prova ou do processo-crime devido ao sigilo das informações sobre a qualificação de uma das testemunhas arroladas na denúncia, notadamente quando a ação penal omite o nome de uma testemunha presencial dos crimes que, temendo represálias, foi protegida pelo sigilo, tendo sua qualificação anotada fora dos autos, com acesso exclusivo ao magistrado, à acusação e à defesa. Precedentes. 3. O HC não é instrumento processual adequado para análise da prova, para o reexame do material probatório produzido, para a reapreciação da matéria de fato e também para a revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes. 4. Ordem denegada. (HC 112.811/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA grifei) Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, devo ajustar o meu entendimento a essa orientação, em respeito ao princípio da colegialidade, motivo pelo qual, em atenção à posição dominante na jurisprudência do STF, indefiro o pedido de HC, julgando prejudicados os pleitos de reconsideração (petições nº 56.687/2014 e nº 2.699/2015). Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 13 de fevereiro de 2015. Ministro CELSO DE MELLO Relator